Com uns dias de permeio já é possível analisar com mais distanciamento a participação da seleção portuguesa no Mundial. Das figuras que se destacaram a oportunidades perdidas, da necessária renovação do setor defensivo e do plano de jogo. Algumas notas para refletir.

O Campeão Europeu foi eliminado nos oitavos de final do Mundial, às mãos do Uruguai. Ou antes, aos pés de Cavani. Genericamente, a avaliação de Cristiano Ronaldo, resume a situação: não foi uma prestação brilhante mas a equipa bateu-se bem. E um Campeonato do Mundo é um patamar acima do Euro.

Cabisbaixos, jogadores e equipa técnica chegaram a Lisboa e lamentaram não ter conseguido dar mais uma alegria ao povo português. Mas o povo, que é sábio, não se sentia defraudado. Sabia que o raio não cairia tão cedo no mesmo sítio.

Figuras em destaque

O hat trick à Espanha fez pensar que este poderia ser o Mundial de Cristaino Ronaldo.

O hat trick à Espanha fez pensar que este poderia ser o Mundial de Cristiano Ronaldo.

Esse foi o entendimento popular. Mas quem olha para estas coisas em pormenor tem que ir um pouco mais fundo na análise. Vamos a isso.

Na fase de grupos chegou-se a pensar que este poderia ser o Mundial de Cristiano Ronaldo. O capitão português, que teve uma temporada menos fulgurante no Real Madrid, à exceção da conquista da Liga Milionária, entrou cheio de vontade. O hat trick a Espanha, na partida de estreia, quando a seleção parecia encaminhada para uma derrota, alimentou a narrativa. No segundo jogo, mais um golo decisivo, nos primeiros minutos, que valeu os três pontos. E não foram apenas os golos, era a forma como se estregava à equipa, que contribuía na pressão, que estimulava e orientava os companheiros em campo. Mesmo se Portugal não conseguiu ir mais longe, nem o capitão voltou a ter esse impacto decisivo, ele é, incontornavelmente, a figura deste coletivo. Não só um fenómeno de popularidade mas cada vez mais um líder dentro da equipa.

Vejo-me na necessidade de acrescentar a este capítulo William Carvalho. Pela importância que tem na equipa mas também por ser muitas vezes incompreendido. O falso lento que está quase sempre no sítio certo no momento certo. Com a lesão de Danilo o selecionador optou por não incluir na convocatória Ruben Neves e se Portugal tivesse seguido em frente provavelmente estaríamos agora perante a agonia de ter que jogar sem um médio de cobertura. O desgaste de uma competição intensa já estava a deixar marcas.

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Custa a muita gente entender o papel fulcral que o "falso lento" William tem na seleção portuguesa.

Custa a muita gente entender o papel fulcral que o “falso lento” William tem na seleção portuguesa.

Depois há as oportunidades desaproveitadas. Pode-se dizer, aos poucos, Fernando Santos foi fazendo a introdução de sangue novo. Mas os novatos foram encaixados num esquema que limitou aquilo em que se destacam. Bernardo Silva, por exemplo, só apareceu mais no jogo dos oitavos quando lhe foi permitido vir mais para dentro, para a função de um 10. É justo reconhecer que os uruguaios deram mais espaço, mais iniciativa, a seleção portuguesa para fazer o seu jogo, ao contrário de adversários anteriores. A questão é que a equipa não estava rotinada quanto ao que fazer nessas circunstâncias. Sempre que Gonçalo Guedes, que fez uma excelente temporada no Valência, foi titular a escolha foi, claramente, feita em função da sua capacidade para recuperar bola e fechar o flanco, não para funcionar como extremo ou apoio ao ponta-de-lança.

Ficar aquém

Esperava-se mais de Guedes mas também, e sobretudo, de Bruno Fernandes. Do médio ex-Sporting talvez se esperasse o efeito que Renato Sanches teve no Euro: uma certa irreverência da juventude que leva a assumir riscos. Um saltar do banco disposto a mostrar serviço. Pouco tempo e maturidade precoce não o permitiram. O medo de errar já é mais forte no protegido de Jesus.

Raphael Guerreiro também esteve uns furos abaixo do nível que lhe conhecemos. Mais uma vez, um erro de quem preside ao casting. Desta feita porque o lateral estava praticamente sem jogar no último ano e a baixa de forma e confiança eram gritantes.

Receita esgotada

Fernando Santos foi ao Mundial com uma ideia em mente: repetir a receita que lhe tinha dado o título europeu. Mas a estratégia de um ponto a ponto, só nos leva até certo ponto. A ideia feita que ficou do Euro, a de que Portugal era uma equipa defensiva por ser esse o seu ponto forte foi, de certa forma, posta a nu. Portugal retrai-se precisamente porque as fragilidades defensivas ficam expostas quando se avança no terreno. A pouca mobilidade dos centrais, por exemplo.

Agora que o setor defensivo vai, obrigatoriamente, passar por uma renovação, seria a altura de passar a ter um plano b, c e afins. Ou seja, uma equipa mais equilibrada desde trás, que permita aproveitar o talento ofensivo que esta seleção também tem.