Um dérbi obedece a uma série de princípios que o afastam dos outros jogos. Creio que em mais nenhuma partida as forças de cada equipa se demonstram de maneira tão imune ao seu historial presente, ao seu momento de forma ou às condicionantes da classificação. Um dérbi vale por si próprio e, na noite de ontem, no Estádio da Luz, voltámos a ver que é assim que ele é vivido de forma mais intensa.

Os dois treinadores apostaram em ir a jogo com os seus melhores onzes para a ocasião. Rui Vitória apostava no meio-campo a três que tem vindo a trabalhar, com Krovinovic a conquistar o papel de maestro na equipa, deixando Pizzi para uma posição um tanto ou quanto indefinida, já que o afasta dos momentos em que tinha maior capacidade de intervenção. Procurando ter bola nos minutos iniciais, tal como havia feito no Estádio do Dragão, o treinador encarnado privilegiou sobretudo a faixa esquerda, com Grimaldo a colocar em causa o crescimento defensivo de Gelson Martins e Franco Cervi a tentar jogar na diferença de centro de gravidade para Piccini.

Gelson Grimaldo

Gelson e Grimaldo estiveram em destaque

No entanto, nos primeiros vinte minutos, os únicos dois remates que o Benfica conseguiu foram de fora da área, desenquadrados, oferecendo confiança a um Sporting que se posicionava com um bloco baixo, apostando nas saídas para o ataque em busca de Bas Dost, muito forte nos duelos aéreos durante a primeira parte, de maneira a colocar Bruno Fernandes com bola. O Sporting marcou cedo, numa jogada de envolvimento a partir da faixa esquerda, com penetração na área e um ressalto que ofereceu a Gelson a oportunidade de marcar. O mesmo Gelson que, durante a partida, apareceu sempre muito condicionado pela sua missão defensiva.

Essa, quanto a mim, é a primeira decisão estratégica polémica dos treinadores neste encontro. Jorge Jesus pensou em aguentar o golpe dos encarnados, mas vendo-se a ganhar, pensou ter encontrado conforto na defesa da vantagem. O seu bloco sempre muito baixo nem era especialmente seguro no evitar dos remates do Benfica, que rematou mais sete vezes até ao intervalo, ainda que apenas um deles tenha sido enquadrado e um outro à barra, nem dava ao Sporting tempo para gerir bola no meio-campo adversário, com três dos quatro remates realizados pelo Sporting entre os 20 e os 45 minutos a saírem de muito longe da área.

Quem não arrisca e quem não petisca

O Sporting procurava ter uma atitude de maior maturidade no encontro, sobretudo no início do segundo tempo, querendo construir de forma mais pensada. O Benfica lançava-se numa pressão alta, ainda que sem grande intensidade, beneficiando da forma como William Carvalho não aparecia no jogo. O problema era, no entanto, estratégico. Se na grande maioria dos jogos de maior exigência, Jorge Jesus pediu sempre ao seu capitão que se posicionasse de forma a criar condições para a transição ofensiva, neste jogo, talvez devido à vantagem alcançada tão cedo, montou uma linha de dois médios defensivos com William e Battaglia. No entanto, o posicionamento defensivo do argentino é pobre, não tendo referência individual, enquanto William foi um peixe fora de água neste desenho tático do seu treinador.

Bas Dost

Bas Dost esteve presente apenas no jogo aéreo

O minuto 56 poderia ter sido fundamental neste jogo. Vendo que não era capaz de criar perigo, Rui Vitória chamou Raul Jiménez para dentro de campo, retirando Pizzi. Aproximando-se ao 4-4-2, o técnico encarnado pretendia soltar Jonas e ter alguém que criasse maior pressão física junto dos centrais do Sporting, ainda que o mexicano seja um jogador com frágil prestação nesse capítulo. O técnico encarnado apostava na necessidade de chegar ao golo, mas oferecia a Jorge Jesus a oportunidade para pegar no jogo, dado o espaço que passou a existir na segunda linha de pressão dos encarnados. Não aproveitou o Sporting, com William Carvalho a manter-se muito recuado e Bruno Fernandes entregue a uma missão suicida de tentar fazer render cada posse de bola que conseguia no meio-campo adversário.

Rui Vitória sentia o conforto de um Jorge Jesus encolhido no seu reduto. Tirou Fejsa, a cerca de quinze minutos do fim, e depois Rúben Dias, a dez minutos dos 90, para colocar em campo Rafa Silva e João Carvalho. Era a estratégia de “toda a carne no assador”, bem polémica de ser utilizada numa partida deste calibre, expondo-se totalmente a uma reação do adversário que, surpreendentemente, nunca aconteceu. O Sporting deixou-se levar pelo número de jogadores que o Benfica colocava no seu meio-campo e reagiu lançando para o jogo elementos que, podendo oferecer capacidade de ter bola (Bruno César e Bryan Ruiz), não tinham o mapa tático coletivo para o conseguirem. Jesus gastou duas substituições à espera que os seus jogadores resolvessem o problema que sentia e, com isso, acabou por se prestar ao sacrifício de ver o Benfica empatar no minuto final, com um pénalti marcado por Jonas.

Depois da tempestade vem a preocupação

A história que os jogos entre os grandes contam, até este momento, na Liga NOS, é a história de equipas que procuram, de forma diferente, a sua afirmação.

Rui Vitória tem procurado ter uma atitude ofensiva nestas partidas que nunca precisou de ter nos dois anos que levava de Benfica. Tentando revelar uma força que os encarnados não têm quando defrontam adversários de menor calibre, o técnico demonstra que tem talento para ser uma equipa mais capaz na forma como se organiza dentro de campo, mas que não encontra outro caminho para o expressar que não seja expondo-se ao adversário. Isso tem acontecido em todos os jogos, seja contra grandes, seja contra outros adversários. É esse nível de exposição ao adversário (que ontem não foi problema porque o Sporting nunca o soube explorar) que a equipa terá que precaver para se manter na linha dos seus concorrentes.

O Sporting sai do Estádio da Luz a depender apenas de si próprio, em termos pontuais, mas com o peso de ter sido vergado nos dois jogos frente aos rivais diretos na luta pelo título. Se em casa, frente ao Porto, ficou a sensação de que não tinha mesmo forças para mais, ontem, no Estádio da Luz, deixou a sensação de não querer expor-se, tendo mais bola, acabando por se expor por não ter bola. Está na forma como os leões se arrumam no processo ofensivo a resposta para se encontrarem com a sua melhor versão. Uma maior participação dos laterais nas primeiras fases de construção e proximidade entre William Carvalho e Bruno Fernandes, gritando-se a necessidade de um jogador com características diferentes de Rodrigo Battaglia. A equipa de Jorge Jesus é uma versão pouco brilhante da vantagem que este técnico já chegou a ter perante os seus concorrentes em Portugal. Mas é uma versão que aproveita bem as poucas oportunidades que cria e, isso, pode acabar por ser o suficiente para dar luta pelo título até à última jornada.

Boas Apostas!