Um dos nomes mais intrigantes do futebol francês regressa, este ano, à Ligue 1, para tentar levar o Rennes de volta aos lugares europeus. Christian Gourcuff passou grande parte do tempo da sua carreira de treinador em Lorient, a transformar o pequeno clube à sua imagem, mas é depois de uma passagem pela Argélia, onde foi selecionador nos últimos dois anos, que volta a ter uma oportunidade em Rennes, onde já foi treinador em 2001/02. No entanto, o interesse em escutar Gourcuff prende-se com o facto de ele ser considerado o “intelectual do futebol francês”, um título que lhe agrada, conforme confessou ao jornal L’Équipe em entrevista. “Se queremos elevar o futebol, temos que ter interesse em refletir sobre ele”.

Os aspetos coletivos do jogo

Christian Gourcuff

Gourcuff no momento da apresentação

Fundamental em todas as equipas de Christian Gourcuff é o aspeto coletivo do jogo, sendo neste aspeto que o treinador vê o caminho para se alcançar uma identidade própria, partindo daí para a afirmação da mesma. A sua inspiração vem de equipas como o Brasil dos anos 70, mas sobretudo do trabalho realizado por Arrigo Sacchi. Segundo Gourcuff, foi a capacidade do técnico italiano em “trabalhar os aspetos coletivos de forma a evidenciar as qualidades individuais dos seus jogadores” que se transformou num aspeto revolucionário. Esse trabalho teve, para o francês, expressão máxima no Barcelona de Pep Guardiola e, sobretudo, num jogador, Xavi. “A personalidade de Xavi, tal como a de Iniesta, é a ilustração do jogo coletivo em todos os seus aspetos.” Os valores da personalidade são fundamentais para o trabalho de Gourcuff, até porque este sublinha que valores como a solidariedade não se ensinam.

Do lado contrário, analisa as questões de identidade perdida pelos clubes naquilo que é a sociedade dos nossos dias. Cita exemplos como o do Inter de Milão, onde estagiou com Roberto Mancini, durante o processo de troca de donos entre malaios e chineses. Também o Real Madrid, com o seu foco na vitória, ou o Paris Saint-Germain, sofrem desse mal. Para Christian Gourcuff, em Paris, “ não se está a construir um clube, evidentemente, estamos perante uma operação pontual”. De certa forma, o seu regresso a Rennes passará pelo mesmo tipo de questionamento. Num clube que viveu, na sua última passagem, por uma efervescência de investimentos, hoje em dia compreende-se a importância de construir identidade para ter um clube capaz de competir. É essa filosofia que se contrata quando se chama Gourcuff.

O plano e a vitória

Afonso Figueiredo

O português Afonso Figueiredo é um dos reforços

Mesmo que se apresente como um técnico apaixonado pelo jogo, pela análise do mesmo e pelas suas consequências, não só no relvado, mas também na sociedade, Christian Gourcuff é um técnico de estrutura. Não será por acaso que, tendo sido professor de matemática antes de se dedicar, a tempo inteiro, à atual função, reconheça que, nos primeiros tempos em Lorient, se viu obrigado a estruturar e planear todas as ideias que pretendia para a sua equipa. O princípio de Gourcuff está no facto de ser essa estrutura que está implícita no seu modelo, nos seus treinos e na forma de jogar da sua equipa, o caminho mais direto para encontrar a criatividade.

De resto, é no processo de construção da sua ideia que vê uma medida para o sucesso, não se preocupando com o facto de, em tantos anos em Lorient, não ter sequer conquistado uma Taça. “Vencer a Taça é totalmente aleatório”, sendo que “a minha preocupação, o meu objetivo, está no investimento pessoal e técnico que é feito para a alcançar”. Se o tentam comparar com Marcelo Bielsa, no entanto, adverte para uma diferença fundamental com o argentino, o tempo. “Há uma incoerência no trabalho de Bielsa, na janela temporal em que ele se dedica a um objetivo”. Para evitar a irracionalidade do mundo atual, Gourcuff defende que só os treinadores que se aplicam a longo prazo podem, de facto, alcançar alguma mudança.