O futebol brasileiro é um contexto ingrato para treinadores estrangeiros. Paulo Bento chegou a Belo Horizonte em maio de 2016, juntando-se ao uruguaio Diego Aguirre (Atlético Mineiro) e ao argentino Edgardo Bauza (São Paulo) no lote de técnicos estrangeiros no campeonato brasileiro. No decurso da prova, o português Sérgio Vieira chegou a assumir o comando do “lanterna vermelha” América Mineiro, mas a passagem pelo clube foi fugaz e durou apenas 43 dias. Diego Aguirre não resistiu à eliminação da Libertadores e foi substituído por Marcelo Oliveira no comando do Atlético Mineiro (principal rival do Cruzeiro de Paulo Bento), um dos nomes mais cotados no já habitual “carrossel” de treinadores brasileiros que fazem carreira no campeonato local.
Paulo Bento deixou o Cruzeiro após 76 dias de atividade, situação que remete para mais uma reflexão sobre as dificuldades sentidas pelos técnicos estrangeiros no futebol brasileiro. De regresso à atividade após ter abandonado o cargo de seleccionador nacional, foi igual a si mesmo e deu-se mal num contexto competitivo em que a falta de paciência impera e o treinador costuma ter o dedo apontado à primeira falha.
Falta de planeamento
No Brasil, a primeira metade da época – que corresponde a um ano civil – é destinada à realização dos Estaduais. A participação neste tipo de prova é encarada pelos principais emblemas como uma oportunidade para preparar o Brasileirão e, nesse sentido, o modelo é interessante. Não é particularmente estimulante na ótica dos adeptos mas permite preparar a equipa em contexto de competição oficial, promovendo encontros entre formações de escalões distintos que proporcionam duelos com características diferentes aos principais emblemas durante a etapa inicial. Um dos maiores problemas associados à disputa destas provas corresponde à longa duração dos torneios, situação que implica um “afunilamento” na segunda parte da época, quando se joga o campeonato brasileiro. É a partir daqui que se começa a explicar o insucesso do técnico português em Belo Horizonte. O Cruzeiro realizou todo o Mineirão às ordens de Deivid. Paulo Bento assinou contrato em vésperas do início do campeonato brasileiro e assistiu de longe à primeira jornada, dado que a equipa ainda foi orientada pelo treinador interino Geraldo Delamore. A partir do momento em que Paulo Bento chegou à “toca da Raposa”, a direção do clube já tinha cometido um erro: Abdicar dos serviços do português durante o campeonato Estadual, etapa essencial para que Paulo Bento pudesse conhecer a equipa, contactar com a realidade do futebol brasileiro, aprofundar o conhecimento (presumivelmente superficial) que tinha das capacidades da equipa e cimentar processos numa fase em que o erro (em teoria) não teria consequências tão graves. Mesmo que o plano fosse encarar o Brasileirão com Deivid ao leme, sublinhe-se que o treinador deixou o clube a 24 de Abril, quando a participação no Estadual já tinha terminado. Entre o final da prova e a estreia no campeonato brasileiro, o Cruzeiro disputou apenas dois jogos relativos à Copa do Brasil com um grau de exigência baixo. A direção anunciou Paulo Bento a dois dias do começo do campeonato e persistiu no erro que já havia cometido, abdicando de mais de duas semanas em que o grupo poderia estar às ordens do treinador – os resultados na Copa do Brasil não precipitaram a decisão, visto que o Cruzeiro até seguiu em frente e certamente não foi a eliminação nas meias-finais do campeonato Mineiro que precipitou a saída de Deivid. Ciente de que seria difícil preparar a equipa em virtude da calendarização extremamente apertada, Paulo Bento marcou o primeiro treino para o domingo imediatamente após a estreia do Cruzeiro no campeonato brasileiro.
Em pleno Brasileirão torna-se muito difícil gerir a preparação da equipa. Em 75 dias, o Cruzeiro de Paulo Bento disputou 17 jogos – média de dois encontros disputados por semana. Com um calendário apertado em virtude da quantidade de jogos e de deslocações longas, o número de sessões de treino é reduzido em relação ao que acontece na Europa. É muito complicado incutir ideias numa equipa quando a maioria das sessões serve meramente para gerir o esforço dos atletas – resta aferir a predisposição dos atletas e o grau de “abertura” à absorção das ideias de jogo propostas por Paulo Bento. Há quem escreva que a disciplina imposta por Paulo Bento desagradou ao “núcleo duro” da equipa e a influência de alguns elementos no balneário do Cruzeiro poderá ter feito com que o técnico português “perdesse” o grupo aos poucos.
A crueldade dos números
Paulo Bento abandonou o Cruzeiro com um registo negativo no que a resultados diz respeito. Seis vitórias, três empates e oito derrotas. Para um clube como o Cruzeiro, habituado a ganhar nos últimos anos, os resultados somados sob as ordens do técnico português corresponderam a uma prestação francamente negativa. A contestação da “torcida” subiu de tom e a falta de paciência da direção traduziu-se no desfecho esperado: A saída. Num futebol que sofre as consequências de se fechar cada vez mais sobre si mesmo, é justo reconhecer que os resultados não correspondem ao futebol praticado pela equipa de Paulo Bento. O Cruzeiro tentou ser um “oásis” no marasmo de ideias que o campeonato brasileiro se tem tornado, mas a falta de eficácia no último terço – o Cruzeiro é uma das equipas que mais remata à baliza – revelou-se fatal e os dedos foram apontados na direção do treinador, como de costume. Houve momentos de brilhantismo a espaços, tal como demonstram os triunfos frente ao Atlético Mineiro no Independência e ao Palmeiras no Mineirão, mas a situação crítica em termos classificativos pesou na decisão final.
Alterações permanentes
Ao longo do campeonato brasileiro, as alterações no plantel do Cruzeiro foram uma constante, com várias entradas e saídas – Denílson, contratação mais recente, nem chegou a atuar sob a égide do ex-seleccionador nacional. Paulo Bento também pode queixar-se da falta de sorte, tal como comprova a extensa lista de atletas que estiveram permanentemente entregues aos cuidados do departamento médico, um dos principais motivos para a dificuldade sentida na constituição de um “11 base”.